Por incrível que pareça, eu voltei.
Apesar do último texto, de três meses atrás — que a cada vez que leio, soa mais e mais terrível e mal escrito e vergonhoso —, eu infelizmente decidi escrever mais um. E aqui estamos nós.
Introdução
Foi no primeiro ano do ensino médio que lidei, pela primeira vez na minha vida, com preconceito de verdade.
Antes de tudo é bom reforçar o óbvio: estamos numa sociedade patriarcal em que o másculo é supervalorizado e blablabla toda aquela conversa. Então é meio inevitável que todo lgbt tenha vivenciado preconceito antes mesmo de se entender como um. Às vezes, antes de se entender como pessoa e ponto.
Mas, aqui, estou falando de uma situação diferente. Não do "isso é coisa de menina", ou do "vai ter muitas namoradinhas". Mas, sim, da homofobia lhe encarando nua, crua e sem pudor. Isso, sim, ocorreu pela primeira vez no ensino médio.
E eu lidei do jeito mais amador possível.
O que é de se esperar. As pessoas não nascem preparadas pra encarar uma situação dessas. E mesmo que não seja a primeira vez, você nunca estará preparado. Mesmo que você olhe pra trás e pense "agora sou confiante, agora tenho autoestima, ai de quem mexer comigo". Não. Nunca estará preparado. Sempre será como se fosse a primeira vez.
Você será sempre amador.
Mas o texto não é sobre isso. Não é sobre a ocasião deplorável, nem sobre o inominável ser humano, nem sobre as pessoas que me deram suporte.
Ou quem me defendeu. A quem pra sempre serei grato, mesmo que eu não saiba demonstrar. Independente do tempo que passe — dos anos que voem —, a cabeça sempre entra em colapso nos reencontros. Numa mistura maluca de gratidão e vergonha, seja cumprimentando em eventos ou esbarrando no dia-a-dia. É sempre gratificante e estranho. Fico envergonhado, embaralhado, embaraçado, desengonçado. Fico até ridículo. E tendo parecer sossegado — Apenas tento.
Mas o texto não é sobre isso. Nem sobre as vezes que ensaiei agradecimentos e não tive coragem de abrir a boca. Nem sobre os choros ou crises de ansiedade. Nem sobre atravessar a rua. Ou sobre em qual açougue comprar a carne. Não.
Porque O Texto não é sobre isso.
É sobre cowboys.
O Texto
O filme Ataque dos Cães, de 2021, tem uma das minhas histórias favoritas do cinema nos últimos anos. (Spoilers à frente) é sobre (segundo o letterboxd) “o carismático fazendeiro Phil Burbank, que inspira medo e admiração nas pessoas ao seu redor. Quando seu irmão traz para casa uma nova esposa e seu filho, Phil os atormenta até se ver exposto à possibilidade do amor”.
Essa é uma sinopse ruim pra cacete. Especialmente essa última parte, dá arrepios de desgosto. Mas, ao mesmo tempo, não sei bem se a culpa é toda de quem fez, já que é absurdamente difícil conseguir resumir esse filme em um parágrafo que faça juz à obra.
Então eu procurei o vídeo da Isabela Boscov, que é bem melhor em palavras que eu — e que a pessoa que fez a descrição do letterboxd, principalmente.
“O Phil é magro, esguio, musculoso, adora a vida fora de casa, não toma banho, é duro, é áspero, é rude. Phil é uma pessoa má e maligna, porque tem uma lava ali, dentro dele, que às vezes ferve, mas na maior parte do tempo está compactada. E a razão pra essa lava toda dentro dele tem nome: bronco Henry. O bronco Henry é tudo pra ele: é o sujeito que ensinou ele a fazer tudo que faz, a ser o que é”.
Phil ama e endeusa o bronco Henry como nenhuma outra coisa ou pessoa na vida dele. Nostalgia, paixão, gratidão, trauma, saudade, culpa, respeito, segurança, tudo isso se passa na cabeça de Phil quando pensa no seu mentor. Esse é um dos motivos que me faz amar ainda mais Ataque dos Cães. Você acompanha Phil sendo um ser humano terrível e fazendo coisas horrorosas, dá vontade de socar a tv, cancelar a Netflix e botar fogo em uma fábrica de chaps. Você sente nojo dele, asco, repulsa.
Só que, ao mesmo tempo, a história — que não é explicada, cabe ao telespectador construir pra si — cheia de camadas dele com o bronco Henry e aquele senso [texto anterior] de que todas as pessoas são complexas, me fazem não sentir ódio pelo personagem o tempo todo.
Também sinto pena.
Algo que eu abomino é aquela frase: “todo homofóbico é um gay enrustido”. Realmente detesto. Muito. Novamente utilizando palavras da Boscov, “é de uma estupidez atroz”.
Detesto esse ditado por vários motivos. 1) todas as pessoas são complexas e têm seus repertórios que determinam quem são etc etc; 2) é inacreditável que vocês odeiam tanto os gays a ponto de colocarem até a homofobia nas nossas costas e 3) pessoas lgbts que sentem nojo da própria existência não é engraçado. É triste.
E é justamente esse terceiro ponto que eu quero tentar desenvolver aqui.
Chorei muito vendo Brokeback Mountain, o que não é nenhuma surpresa. Assim como Ataque dos Cães, esse filme também é sobre cowboys gays e a passiva também morre no final.
Mas, dessa vez, é um romance. E é isso que torna esse longa tão importante. Conta a história de amor secreta entre dois vaqueiros (?) que se apaixonam ao cuidar de um rebanho (?) de ovelhas. Felizmente, o filme não trata só da culpa de “oh meu Deus, eu beijei um rapaz e gostei”. Não seria um filme tão bom se fosse só isso. Fala, principalmente, sobre o medo daquela paixão. Fala sobre não entender seus sentimentos, sobre se achar errado, sobre se achar uma aberração. O que, acredito eu, é ~relatable~ pra noventa e nove por cento dos lgbts.
Só que em doses bem maiores, porque estamos falando de cowboys estadunidenses. Eles não expressam a falta de entendimento apenas fugindo, chorando, se escondendo ou descontando tudo em compras na shein. Eles utilizam da violência, contra o outro e contra si mesmos. Esse é, inclusive, mais um ponto de encontro com Ataque dos Cães: a violência sendo usada como maquiagem para as inseguranças mais profundas.
E, francamente, seria estranho se não houvesse essas complicações. É esperado que seja uma jornada difícil.
Assim como Phil, que vive no faroeste dos anos vinte. Seria injusto esperar uma pessoa bem resolvida.
Mas não estamos mais em 1920 e também não vivemos no faroeste.
Se tivesse que fazer um paralelo com o contexto de Ataque dos Cães ou Brokeback Mountain, quem são os cowboys no Brasil do século vinte e um? Que contextos podemos usar como referência de lugares com difícil compreensão de pessoas lgbts consigo mesmas, homofobia enraizada, onde estão nossos Ennis e Jacks?
Eu pensaria logo no Mato Grosso do Sul, região do pantanal. Ou nos locais mais tradicionalistas do Rio Grande do Sul [“pois sou do tempo em que os homens ainda gostavam de mulher”].
E também tem uma gente estranha que citaria as favelas, o que eu acho estúpido porq-
“Mais um viadinho eu vou zoar de novo / Lambe ovo que força uma voz feminina / Nada contra, mas outro dia passou maquiagem / E dançou Ludmilla em frente minha pequenininha / Quando pequeno, nós costumava até ser amigo / Ele era meu abraço e eu era seu abrigo / Mas me incomoda essa postura / Apesar de em quatro paredes minha mulher fazer tudo que ela quer comigo”
O Dono do Lugar é um dos discos mais fodas de 2022, e um dos meus favoritos desse ano. Porque muito além do flow, dos ritmos e da identidade dele — todos especiais demais —, o Djonga aborda nas composições um tema que eu não sabia que precisava ver representado: masculinidade.
O verso acima, especialmente, sempre me pega de jeito. Porque (sim) ~todas as pessoas são complexas~ e ao mesmo tempo que “homofobia é feio, gays também são gente”, precisamos entender que o preconceito não nasceu ontem e está presente no alicerce de diversas vivências. A maioria delas, inclusive.
E eu digo isso não como uma forma de defender lgbtqfóbicos (argh), mas, sim, congratular quem tem consciência do seu contexto, das suas questões e sabe que o pensamento precisa evoluir. É tipo aquele tweet do Lewis Hamilton. Vamos focar em mudar a mentalidade.
Sem falar que regiões periféricas como as favelas são incontestavelmente e incontavelmente mais progressistas que regiões campeiras/pantaneiras/gaudérias e quem discorda é MALUCO. É que cria-se um pensamento ruim de que as comunidades não são ambientes “aliados” porque quem tá lá é mais preocupado em se manter e não tem tanta escolaridade e blá blá blá.
Dizer que tal grupo de pessoas tende a não ser progressista por causa de questões relacionadas à condição financeira ou educacional é uma ideia tão péssima. Não tô militando, fazendo drama, nada, tô dizendo o óbvio.
O tanto de gente rica e com escolaridade que é mais estúpida que patricinha de filme de terror… Jesus.
Sem falar nos lgbts que moram nessas regiões, fuck their drag, right?
Enfim. Estou me alongando desnecessariamente porque esse texto não é sobre estigmatização de moradores de favelas no brasil, é sobre cowboys gays, então acho que está na hora de dar um nó nesse cadarço e ir embora.
O que eu quero dizer é que é difícil demais - pra mim, pelo menos - assistir lgbts infelizes, com tudo guardado e escondido dentro de si, tendo vidas que não são suas e sendo quem eles não são. Independente de erros, contexto, equívocos e mal-caratismo. É sempre deprimente.
Revoltante, também.
Conclusão
Eu não consegui chegar a uma conclusão.
Quando pensamos em personagens como o Phil de The Power of The Dog, dizemos por aí que ninguém tem culpa se ele é mal resolvido, ele é uma pessoa ruim e pronto, etc. Mas… e se o Phil não fosse só um personagem?
Se a representação dele existe e impacta tanto, é justamente porque há pessoas como ele no mundo real. E sendo assim, a abordagem seria a mesma? "Ninguém tem culpa se você é assim, se vira" e pronto?
Pela última vez aqui, eu digo: pessoas são complexas. Todas.
Será que não cabe a nós colaborar com seu processo de entendimento? Se somos mesmo uma "comunidade", não deveríamos abraçar e dar suporte pra aqueles que têm todas essas questões?
É uma reflexão válida. Mas…
Temos que pensar também que a gente já tem problema pra cacete. Não existe contrato algum que obrigue lgbts a correrem atrás daqueles com homofobia internalizada pra ajudar a evoluir. Não há mandamento algum.
Seria injusto cobrar isso daqueles que já tem que enfrentar um leão por dia.
Seria mesmo.
Tem muitos outros assuntos que eu gostaria de incluir aqui de forma que coubesse em menos de duas mil palavras mas não vai ser possível. Principalmente com Ataque Dos Cães em questão.
E esse Texto me deu ideias de muitos outros Textos que serão postados aqui. Muitos Textos.
[Espaçados, separados, longínquos, com grandes intervalos de tempo entre um e outro.]
Mas, ainda assim, textos.
Bem.
Infelizmente, em breve eu estarei de volta escrevendo mais um pouco. Tomara que não, mas acho que sim.
Até.